sábado, 22 de novembro de 2008

Está no Terra Magazine

Sábado, 22 de novembro de 2008, 09h53

Deu Brasil outra vez

Vitor Hugo Soares
De Salvador (BA)

Apaixonado confesso pelo futebol, onde em geral recolhe suas metáforas, o presidente da República não foi ao jogo Brasil x Portugal, quarta-feira. Lula optou por assistir pela TV a festa promovida a poucos quilômetros de distância dos jardins da Granja do Torto. Segundo alguns, temeroso de vaias como as do Rio de Janeiro, na abertura dos Jogos Pan-americanos. Segundo outros, para fugir ao assédio de notórias más companhias da CBF, da Política, da administração pública, além de "celebridades" presentes à farra de mordomias e bajulação em que foi transformado, sem pudor, o evento esportivo no Planalto Central.

É possível que o presidente, por puro instinto ou recomendação de alguém mais próximo, tenha feito a coisa certa. Mas o líder popular, Luis Inácio Lula da Silva, perdeu a oportunidade de participar diretamente de uma noite para não esquecer. Não só pela goleada histórica de 6 a 2, mas por inúmeras outras razões - futebolísticas, políticas, de comportamento. Miscelânea de fatos e situações com poder de fazer Nelson Rodrigues e Juscelino, presentes em espírito no Gama, vibrarem sobre o céu de Brasília.

O atacante Cristiano Ronaldo, por exemplo, parecia estressado às vésperas da escolha pela FIFA do melhor jogador do mundo em 2008. Ameaçou até "enforcar" o lateral-esquerdo Marcelo, jogador afro-brasileiro do Real Madri, que encarou bravamente o grandalhão europeu da Península Ibérica. O extraordinário flagrante colhido pela câmera do repórter fotográfico Jamil Bittar, da Agência Reuters, correu o planeta com a propulsão do seu simbolismo.

Quando o bafafá aconteceu já era 20 de Novembro de 2008 na tela dos computadores e relógios guiados pelo horário de Brasília. Dia da Consciência Negra, portanto. A imagem postada em seguida em dezenas de sites da internet, exibida nos noticiários das TVs, ou impressa nas páginas de importantes jornais internacionais no dia seguinte, sobretudo da Europa, crescia em apelo e interesse. De Lisboa a Salvador. De Paris ao Rio de Janeiro, e São Paulo. De Londres à Serra da Barriga, nas Alagoas do guerreiro ex-escravo Zumbi (herói de caráter tão questionado ultimamente).

A expressividade da foto de Bittar só é comparável a outro instantâneo do embate Brasil x Portugal. Aquele no qual Robinho aparece mostrando a língua como um possesso príncipe etíope voando sobre as cabeças dos companheiros, na comemoração do gol de empate brasileiro, marcado por Fabiano, "o Fabuloso", como assinala o diário de Lisboa ao falar da seleção lusa. "É preciso recuar exatamente 53 anos para ir buscar ao baú das grandes desgraças da Seleção Nacional uma derrota tão pesada quanto a que Portugal sofreu nesta madrugada, no Brasil", completa o jornal.

Portanto, um final glorioso no gramado. Em volta, porém, um evento marcado por atos condenáveis de figurões e dirigentes públicos, rasteiras de bastidores, barganhas e disputas de interesse nada recomendáveis. Neste terreno, o jogo político, mais que o futebolístico, esteve visível a cada passo no caminho do Plano Piloto de Brasília. "Há zilhões de faixas e outdoors com elogios, congratulações e outros afagos a José Roberto Arruda (governador do Distrito Federal), tratado como príncipe intocável, ou uma espécie de Messias, por levar Brasil e Portugal para o Gama", registra Gustavo Hofman, enviado do Blog Trivela na cobertura ao vivo.

Centenas de pessoas vestem camisa com os dizeres "Eu fiz o novo Bezerrão", patrocinada pela estranha sigla GDF, que traduzida revela a mão mal escondida do Governo do Distrito Federal. Marketing do "estádio moderno" em volta do Bezerrão. Políticos, cartolas, "celebridades" pululam por todo canto em folia e mútua louvação, até nas cabines de transmissão da TV. A politicagem alterou até o sistema de distribuição/venda de ingressos para ver a Seleção. 9.860 dos 19.358 ingressos seriam destinados apenas para os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Mais de um terço com carimbo manjado: "Autoridades".

Como pegava mal tamanho privilégio e mordomia, cerca de 2.500 bilhetes foram confiscados dos "vips" na última hora, enquanto se montava operação enganadora de emergência, sorteando-se dois mil tíquetes entre moradores do Gama. Outros 500 bilhetes foram entregues aos operários da construção do estádio inaugurado com chuva de gols da seleção em noite de gala de Luis Fabiano, Kaká, Robinho, Marcelo e companhia.

Milagrosa goleada! Afastou os olhares e as críticas das jogadas políticas; tirou toneladas de pressão das costas de Dunga, gaúcho de couro curtido, e despachou a onda que crescia no futebol brasileiro - como a crise financeira - para o outro lado do Atlântico. A tempestade, agora, ameaça desabar sobre as cabeças do treinador português, Carlos Queiroz, e do esquentado atacante Cristiano Ronaldo, seu maior craque.

Viva! Deu Brasil outra vez.

O link: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3344842-EI6578,00-Deu+Brasil+outra+vez.html

Vitor Hugo Soares é jornalista e escreve aos sábados no Blog do Noblat.

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